AGON

NARRATIVE AND EXPERIMENTAL

AGON

*Projeto filmado à distância durante a quarentena*

Nada aqui foi feito para nós. Outro dia fiquei com essa frase na cabeça, depois de ler um texto de um filósofo, Emanuele Coccia, sobre nossa ilusão de protagonismo em relação à existência, um processo narcísico de achar que tudo é feito para o ser humano. Esse texto me inspirou e comecei a pensar nos momentos das pessoas que estão em casa, se debatendo em uma disputa por protagonismo. Querendo negociar com uma força muito ainda desconhecida para o ser humano que é a natureza, existir e lidar com a queda de tudo que se acreditava como certo. Esse não ser, essa negociação, essa disputa por protagonismo, por ser importante. Eu achei que poderia ser representada pelo corpo, pela natureza contra natureza. A physis contra a physis. Convidei 18 bailarinos, todos do balé da Cidade de São Paulo e contei a história toda. Um deles criou uma matriz coreográfica, que serviu como base para que cada bailarino tivesse espaço para interpretar, dar tom e intenção. Eles se filmaram em casa, agora, durante a quarentena, com o que havia disponível, sozinhos ou com ajuda de seus pares.

A música é uma das músicas do repertório da minha irmã de quando ela ainda era “só” pianista, a música se chama “JONGO”, do compositor brasileiro Oscar Lorenzo Fernandez (1897-1948). Essa música ela tocava de forma virtuosa e incansável em nossa casa, na época ainda morávamos todos juntos.

Eu tinha a memória dessa angústia causada pela música e perguntei pra ela o nome, porque não lembrava. Ela me falou, mas me disse que eu precisava procurar a interpretação do pianista Miguel Proença, porque é a que ela tocava. Miguel foi professor dela e por algum motivo, eu queria percorrer esses ambientes musicais que ela vivia naquele momento.

Com seus 81 anos, fui atrás dele para pedir sua “benção” pra usar a música. Tinha que ser essa música, porque ela está aqui.. em algum lugar, há muitos anos.

Me surpreendo com uma conversa que vai longe, que fala sobre o brilho das estrelas, o brilho da vida e o encantamento que se conquista pela imaginação. Ele gostou, autorizou, mas disse que tem medo do que eu teria feito se tivesse que filmar ele e que fica feliz de encontrar uma mente perturbada. Considerei um elogio.

Os bailarinos, por sua vez, são pessoas que admiro, que vivem arte em sua essência .. a cada espetáculo, tudo se constrói e desaparece. Uma arte efêmera que é apreciada no momento, não fica. O tempo leva imediatamente cada movimento. O que fica é a experiência conjunta de uma história, que não se repete jamais da mesma forma.

Esse combinação de elementos que me marcaram e que de certa forma são representantes da importância da arte mas narrativas humanas fez muito sentido nesse momento, porque a arte tem uma dinâmica do tempo muito diferente em relação ao mundo em que vivemos. Ela se desfaz a todo momento e ao mesmo tempo se instala por décadas em nossas memórias.

Saber onde você guarda o seu arco. Ter a presença para apreciar a beleza do vôo de uma flecha sem saber se seu alvo sequer existe. Seguir buscando novas flechas, saber como e onde buscar os elementos que nos permitem ficar em pé, firmes, com o mesmo arco de sempre nas mãos. E novamente, saber onde você guarda seu arco, alcançá-lo sempre que preciso, lançar uma nova flecha e apreciar um novo instante dessa flecha no ar.
Tempo é arte. 

Isso acalma.
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Notas: Esse projeto é lançado simultaneamente pelas plataformas pessoais de todos envolvidos e pela ELLE Brasil e pela plataforma independente AURA. Além do filme principal, existem também fragmentos em que cada bailarino fala um pouco sobre esse processo à partir de sua experiência do que estamos vivendo, que podem ser vistos no perfil do instagram de cada um deles.

Agradeço à minha irmã, Isabel Nogueira, pelos anos de troca e inspiração artística, ao pianista Miguel Proença e à Antonieta Silvério (www.lorenzofernandez.org) pela gentil cessão dos direitos da música “Jongo” para utilização nesse conteúdo. Antonieta Silva E Silverio